Sin Nomine


Sin Nomine – I
January 28, 2007, 3:13 am
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Serão as pessoas totalmente boas ou completamente más? Questionei-me muitas vezes durante os primeiros anos da minha adolescência sobre a natureza ambígua que as pessoas que encontrava a minha volta apresentavam. Como o resultado esperado de qualquer equação matemática de fácil resolução até para o maior analfabeto em álgebra, descobri o que todos descobrem. Que os homens e as mulheres são meros actores desse grande espectáculo da vida quotidiana, representando papeis benéficos e por vezes maléficos, numa dança constante entre o anjo e o demónio no abismo entre a conquista absoluta de um céu prometido e esperado e o mais tenebroso dos infernos pessoais.
Estranhamente ou até pateticamente, esta minha reflexão interior era sempre acompanhada pela recordação constante de um trecho da música de uma banda que nunca gostei particularmente, Momento Final dos Santos e Pecadores. Por uma passagem em especial:
No meu momento final,
Sei que tenho um lugar,
Onde um Santo e Pecador,
Pode enfim descansar

O descanso do absoluto silêncio, o não-pensar e o não-sentir como se de repente adormecêssemos acordados num sonho sem fim e no qual a nossa mascara de santo e de pecador, pudesse finalmente ser despidas na fusão absoluta destas duas realidades que nos preenchem.
Desde muito cedo que penso nesse misterioso momento final, e confesso que sempre me fascinou e apaixonou a ideia da minha própria morte. Aliás, as pequenas mortes da minha vida entre o extremo da dor e a total alienação dos meus sentidos mais queridos e manipulados pela minha mente absurdamente urbana, sempre me ofereceram o que sempre mais desejei, a sensação temporária de total liberdade.
É essa a dádiva do sofrimento que vem como pronuncio e ao mesmo tempo cerne da morte: a sabedoria que traz as singulares iluminações terrenas e que momentaneamente nos permite atingir essa aspiração primordial do homem, a libertação. É essa a mesma liberdade que Camus aclamava no seu Homem Revoltado: “Liberdade valor imperecível da História”. Talvez por isso os revoltados e os filhos da sagrada rebelião, sejam malditos, o sofrimento da sua maldição é a constante recordação de quem foram e de quem são. Afastando-os para sempre da restante humanidade, o seu exílio é a mais querida das suas bênçãos. Estão sozinhos e na sua absoluta solidão, mesmo quando tem a felicidade de reencontrarem os seus outros irmãos, são os escolhidos.
Diz-se que Judas, perpetuado pela história de séculos como o traidor de Cristo seria afinal o seu mais amado apostolo e que o facto de ter sido escolhido para bode expiatório, é apenas a confirmação desse amor. O escolhido é o condenado. Mas o próprio Cristo que sentiu na pele todos os sofrimentos e males da Humanidade, é ele mesmo também redescoberto em certas tradições como Lúcifer, o Senhor do Mundo. Que na redenção pela sua rebelião contra o Deus Demiúrgico assume todo o sofrimento, para que um dia os Homens o redescubram na sua essência perfeita à Luz.
Nada há de mais ambíguo que o Bem e o Mal, por vezes, penso mesmo que o mal preconizado e difamado por toda a Humanidade é o único e verdadeiro bem escondido pelo manto da nossa ignorância e que esse bem alimentado durante tantas centúrias por uma mentalidade ocidental cristianizada é a semente do derradeiro mal. E no fim, todos nós trazemos nos confins do nosso espírito essa herança de bem e mal, numa perpetua luta interior onde sobrepomos as nossas inúmeras mascaras sem nunca termos a verdadeira coragem de romper com o mundo estupidificantemente que nos cerca e rasgarmos os véus do nosso esquecimento na luta pelo reacender dessa chama de que todos somos portadores.
Recordarmo-nos de quem somos na solidão da nossa sombra sobre toda a Humanidade enquanto seus filhos e bastardos, num grito de libertação, na condenação da mais pura rebelião contra tudo o que fizeram de nós. Amar a história é venerar a memória na mesma intensidade com que a rompemos em toques de heresia, na recriação e reinvenção de nós mesmos. Mas será que somos capazes de tais blasfémias?